Integrar o júri do I Prêmio Marcello Grassmann foi mais que uma distinção, visto que a iniciativa do Núcleo de Estudos que leva o nome desse exímio gravador brasileiro, reconhecido internacionalmente, tem como propósito incentivar e promover a gravura. Colocar em pauta essa arte possibilitou-nos a discussão acerca das técnicas denominadas de tradicionais e das ditas não convencionais: consideramos várias técnicas; discutimos os processos de impressão; pensamos sobre as pesquisas gráficas das últimas décadas; revimos a dinâmica das transformações etc. etc. Enfim, foi possível conversarmos sobre muitas questões que ainda podem ser exploradas nesse mundo das artes gráficas, no qual, a única certeza, é a constante alteração pela investigação. Nem a história dessa arte que se destacou para levar o nome de nossos artistas para o estrangeiro foi escrita, nem se conhece os inúmeros experimentos que os gravadores brasileiros empreenderam em suas jornadas desde que a gravura deixou de ser considerada “arte menor”. Há muito a se fazer. Mesmo porque, as pesquisas a serem trilhadas no campo da gravura são ainda abundantes, mesmo que o artista pense em se dedicar, por assim dizer, exclusivamente aos metais. Mas, o que nos pareceu singular, por isso anotamos, é que para a maior parte dos nossos gravadores essa arte não se restringe a estilos, modas, preconceitos: vai-se do figurativo ao não figurativo, do político ao anedótico, do popular ao culto. As manifestações convivem em qualquer época, em quaisquer espaços, pois, o que importa, é a pulsão, esse processo dinâmico que leva à execução.
Marcello Grassmann é exemplar:
Ele age, caminha entre placas, que podem ser brilhantes ou foscas, preferencialmente estas, toscas. Trabalha, usando pontas, pincéis, inventando instrumentos, lixando, brunindo, experimentando ácidos e detergentes, alterando palmadas, escutando os metais. Aplica o breu que, fino ou grosso, na explicação técnica, se distribui uniforme pela superfície, mas, na mão do protagonista, voa ao vento provocado pelos passos rápidos entre o puxadinho onde está a caixa de breu e o ateliê. O compressor para; desentupido, é pressionado... jorra do bico da pistola uma gosma de betume que escorre pela placa apoiada na parede; os dedos tiram os excessos; sujos, seguram a placa, que, com digitais, arranhões e incisões, é gravada. Possibilidades; pensamentos gráficos que explodem durante a execução; ação. Como dizia Marcello: “Falar da criação é intratável...Você só tem a bestialidade do garanhão que quer fazer alguma coisa.” [MG, 2012]
Essa “ferocidade” anima nosso caminho como professoras, divulgadoras – duas entre nós artistas – e, sobretudo, como “defensoras” da gravura. Essa “luta pela causa”, por assim dizer, não deriva das diversas direções que a gravura vem tomando desde o século passado, ao contrário, mesmo porque, como o próprio edital destaca, as técnicas dos trabalhos concorrentes poderiam ser metal, madeira, pedra ou híbrida: deferência pelas diferenças. A nossa “batalha” tem por objetivo, livre de interesses, de gostos, de preconceitos, incentivar as discussões sobre gravura; encorajar os jovens artistas e os já não tão jovens a pesquisarem essa arte, não apenas entendê-la como um detalhe de algum outro trabalho. Essa nossa insistência decorre do pouco valor que as escolas atribuem à gravura, mesmo quando se sabe que a xilogravura, acessível, poderia participar da formação artística ou, ao menos, da introdução ao mundo das artes de muitos: crianças, jovens, universitários, pessoas sem quaisquer escolaridades, moradores de ruas, outros. Aliás, há artistas que se dedicam à população carente, ainda que poucos, mas há aqueles que alastram seus tempos para mostrarem, a partir da gravura, novos caminhos para os desabrigados. Quanto aos “abrigados”, aqui, os resguardamos, não só por ser o primeiro prêmio a ser conferido por esse Núcleo, o que nos animou a considerar os iniciantes na carreira, mas também para não cairmos no redemoinho dos muitos já conhecidos, justamente por terem eles nossa admiração pela excelência das gravuras conquistadas, distantes das repisadas. A esses artistas, companheiros na “luta gráfica”, os nossos sinceros agradecimentos por terem prestigiado esse certame: uma iniciativa suprema e engajada pelas artes gráficas propiciada pelo Núcleo de Estudos Marcello Grassmann.
Maria Bonomi, Luise Weiss, Mayra Laudanna
Juradas Artísticas Convidadas:
O Núcleo convidou três importantes mulheres do cenário das artes gráficas, são elas:
Maria Bonomi, Luise Weiss e Mayra Laudanna.
Maria Bonomi
Uma das mais importantes artistas brasileiras, com uma carreira artística distinta e um rico percurso artístico inserido na história da arte brasileira. A xilogravura é a linguagem escolhida e mais utilizada, mas também atuou na cenografia, esculturas e muitos desdobramentos o que a caracterizou como uma artista de atividade múltipla. Seu trabalho é peculiar e possui um olhar contemporâneo, aberto a criações e possibilidades na gravura. Em 1955 expôs suas gravuras ao lado seu mestre Lívio Abramo e dos artistas, Edith Behring e Marcello Grassmann.
Luise Weiss
Nasceu em São Paulo/SP, em 1953, onde vive e trabalha até hoje. Formada em Artes pela Escola de Comunicação e Artes da Universidade de São Paulo. Pós-graduada em poéticas visuais, mestrado, doutorado, pós doutorado e livre docência pela ECA-USP. Leciona as disciplinas de Desenho e Gravura no Instituto de Artes da Unicamp – Campinas- desde 1997, Universidade Mackenzie e no curso de Mestrado em Artes Visuais da Faculdade Santa Marcelina.
Participou de inúmeras exposições, individuais e coletivas, no Brasil e exterior, conquistando diversas premiações, entre elas a Bolsa Vitae de Artes. Entre as mostras destacam-se: “Jovens Gravadores Brasilenõs”, galeria Juan Martin, Cidade de México, México, 1976; “Jeune Gravure Contemporaine”; França e Iugoslávia, 1987; “Jovem Gravura Brasileira”, Amadora, Portugal.
Mayra Laudanna
Pensadora da arte, Mayra possui graduação em Licenciatura Plena em Desenho e Educação Artística pela Faculdade de Música e Educação Artística Marcelo Tupinambá (1979), graduação em Licenciatura Curta em Educação Artística pela Faculdade de Belas Artes de São Paulo (1977), graduação em Pedagogia, especialidade Administração Escolar e Orientação Educacional, pela Faculdade de Educação Piratininga (1981). Possui, ainda, mestrado em Filosofia pela Faculdade de Filosofia Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo (1990) e doutorado em Filosofia pela Faculdade de Filosofia Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo (1997). Atualmente, é docente do Instituto de Estudos Brasileiros da Universidade de São Paulo. Tem experiência na área de Artes, pintura, escultura, gravura. Dedica-se, atualmente, aos estudos teóricos e históricos sobre gravura e escultura brasileiras e livro de artista.